“A contratação do seguro de vida na companhia aconselhada pelos bancos não deve ser a única opção – considera Maria Emília Teixeira. Em entrevista à “Vida Económica”, a advogada e docente
universitária refere que os clientes devem comparar as várias possibilidades existentes no mercado, tendo em consideração o preço, o grau de incapacidade definido na proposta e as condições de
substituição da seguradora.
Os problemas mais frequentes discutidos nos tribunais estão relacionados com o tomador de seguro e as suas falsas declarações na declaração inicial do risco, bem como a omissão do seu dever de
comunicação à seguradora.
Na opinião de Maria Emília Teixeira, a assimetria de posições das partes num contrato de seguro é enorme. “A maior parte das pessoas que celebram seguros não conhece verdadeiramente o seu regime” – refere.”
“Vida Económica – O que pensa sobre a evolução do mercado dos seguros de vida?
Maria Emília Teixeira – Não se conhecem ainda os números oficiais mais recentes, mas é curioso notar que, a nível nacional, no primeiro semestre de 2020, ou seja, englobando o período anterior à verificação dos efeitos da classificação do vírus SARS-CoV-2 como pandemia, pela OMS, a 11 de março de 2020, o ramo Vida apresentou um decréscimo próximo dos 50% quando comparado com o período homólogo do ano anterior, e sobretudo devido à diminuição dos seguros de vida não ligados. Porém, após aquele momento, fomos todos coartados na nossa liberdade de circulação e inundados de medidas restritivas que visaram (e visam) não só proteger a saúde pública, mas também evitar o colapso do sistema nacional de saúde que em pontos críticos se temia que não conseguisse, por impossibilidade, estrutural e humana, socorrer-nos em caso de infeção ou outra doença que nos acometesse subitamente. Isso fez-nos refletir acerca da fugacidade que é esta nossa passagem e motivou um grande número de pessoas a procurar prevenir-se, contratando seguros de vida, acautelando assim a situação dos seus familiares mais próximos, designados beneficiários, em caso de falecimento. No Brasil, onde a situação pandémica continua crítica, o aumento da contratação de seguros do ramo vida é exponencial.
Vida Económica – Tendo em conta que uma grande parte das apólices está associada a financiamentos hipotecários, quais são os aspetos mais relevantes para os subscritores?
Maria Emília Teixeira – Importa destacar um facto muito importante que passa muitas vezes despercebido. Ao banco mutuante está vedado fazer depender a concessão e celebração ou renegociação dos contratos de crédito à habitação, com constituição de hipoteca como garantia, da celebração por parte do mutuário de um ou mais contratos de seguro, adequados relacionados com o contrato de crédito, com a Seguradora escolhida ou aconselhada pelo banco mutuário. Ou seja, explicando melhor e de forma clara, o banco mutuário pode exigir que o mutuário celebre vários seguros para que o banco aceite celebrar um contrato de crédito, mas não pode obrigar que o mutuário faça os seguros na seguradora que o banco escolhe ou indica.
Agora, o banco pode oferecer vantagens extra para cativar ou seduzir o mutuário a celebrar os seguros com a seguradora de que o banco é mediador, mas não pode fazer disso condição para atribuir o crédito. Isto esclarecido, é importante referir que, escolhendo o mutuário efetuar os seguros, de vida e/ ou multirriscos associados ao contrato de crédito hipotecário, numa seguradora à sua escolha, terá de garantir que esses contratos salvaguardam um nível de garantia equivalente, ou superior, ao dos contratos de seguro propostos pelo banco mutuante. Assim, há que
estar atento aos seguintes aspetos na hora de subscrever os contratos de seguro associados a estes créditos hipotecários: se é ou não constituído seguro de vida apenas do consumidor ou se também de outros intervenientes no contrato de crédito, que o reembolso antecipado total com vista à transferência do crédito para mutuante diverso não prejudica a validade dos contratos de seguro mas apenas uma troca no nome do beneficiário, que passará a ser o novo mutuante, os custos dos prémios de seguro se forem celebrados na seguradora da preferência do banco mutuante, para o mutuário poder comparar com outras possibilidades no mercado existentes, quais as coberturas excluídas, qual o grau de incapacidade a partir do qual a seguradora se responsabiliza pelo
pagamento da quantia mutuada, se se encontram cobertas as situações de doença e quais, que pode substituir o contrato de seguro de vida a qualquer momento, entre outros aspetos.
Vida Económica – Sendo o seguro de vida um contrato de adesão, o que deve ser feito para salvaguardar o equilíbrio contratual?
Maria Emília Teixeira – Quanto a este aspeto, a palavra de ordem terá de ser sempre uma: formação. O saber tem muito poder e a assimetria de posições das partes num contrato de seguro é gigante. A maior parte das pessoas que celebram seguros não conhece verdadeiramente o seu regime. A linguagem tem de ser cada vez mais descodificada e isso só se ultrapassa com formação. Creio que a lei já tem prerrogativas suficientes que impõem à seguradora o dever de informar e esclarecer. Mas a verdade é que, muitas vezes, nem as seguradoras estão dotadas de pessoas capazes tecnicamente para responder a questões mais complexas colocadas pelos tomadores de seguro. Mais, o dever de esclarecimento distingue-se do dever de informação. Enquanto qeste tem de partir da iniciativa da seguradora, aquele só existe se existirem pedidos de esclarecimentos por parte dos tomadores de seguro em relação a certos aspetos do contrato, os quais raramente acontecem também.
Vida Económica – Como avalia o papel da ASF como entidade reguladora?
Maria Emília Teixeira – É sempre difícil gerir e controlar tudo, mas considero positivo se comparado com outros reguladores. Julgo, contudo, que deve orientar a sua conduta no sentido de proteger o consumidor que continua a ter a perceção qdeue na hora H as seguradoras falham com a sua prestação, assentes em detalhes que não explicaram minimamente ao tomador. Essa assimetria, de posições e de informação, é sempre perigosa como sabemos.
Vida Económica – Quais são as principais temáticas discutidas na jurisprudência
sobre seguros de vida?
Maria Emília Teixeira – Os problemas mais recorrentes discutidos na jurisprudência sobre os seguros de vida estão relacionados, por um lado, com o tomador de seguro e as suas falsas declarações na declaração inicial do risco, bem como a omissão do seu dever de comunicação à seguradora das circunstâncias que conheça e que saiba serem significativas não só para a avaliação como para o agravamento posterior do risco; por outro, o incumprimento do ónus de informação por parte da seguradora em relação às cláusulas do contrato, principalmente das cláusulas de exclusão de responsabilidade.
No primeiro caso, a jurisprudência aprecia se no questionário, decisivo para acelebração do contrato se seguro, o tomador sabia ou conhecia certas circunstâncias que seriam capazes de influir na decisão da seguradora e as omite ou falseia,caso em que o contrato será anulável, mas por exemplo, se a seguradora não lograr provar que o tomador as conhecia ou até que tais informações não influiriam na decisão de celebração do contrato, este mantém-se válido. No segundo caso, tudo se reconduz, de novo, ao ónus de prova da seguradora. Outra questão relevante é o fornecimento de dados de saúde do falecido/segurado, para efeitos de acionamento do seguro de vida. A questão é saber se tal é ou não violador das disposições legais sobre a confidencialidade e a reserva da vida privada. A tendência jurisprudencial tem sido no sentido de afirmar que não existe qualquer violação.
Vida Económica – Considera que vai haver um crescimento na advocacia ligada aos seguros e outros produtos financeiros?
Maria Emília Teixeira – Quanto a este aspeto, creio que o fenómeno recente da InsurTech veio revolucionar a forma de fazer seguros e permitir a exibição de forma mais acessível aos utilizadores, novas formas de
seguro e operações no ramo Vida, como o caso dos unit linked, por exemplo, o que contribuirá para um aumento do volume de negócios neste sector.”