Sobrevalorização das casas em Portugal bate recordes como nos países mais ricos da Europa
A sobrevalorização do preço das casas em Portugal está a bater recordes e é equiparável ao fenómeno que também afeta outros países da União Europeia (UE), sobretudo os mais ricos, entre eles alguns Estados nórdicos como Suécia ou Dinamarca, revela a Comissão Europeia (CE) num estudo abrangente sobre os desequilíbrios macroeconómicos na UE.
De acordo com Bruxelas, estamos a falar de sobrevalorizações nos preços médios do parque habitacional na casa dos 20% ou mais, situação que afeta economias como Suécia, Áustria, República Checa, Bélgica, Portugal, Países Baixos, Alemanha e Dinamarca. O caso mais atípico é o do Luxemburgo, onde a sobrevalorização habitacional supera já os 60%, indica a CE.
Em Portugal, o problema é especialmente grave, tendo em conta que se trata de um país mais pobre e com a característica de empréstimos à compra de habitação estarem maioritariamente indexados a taxas de juro variáveis [que com fim de um ano são atualizadas, por exemplo] o que, na atual conjuntura de subida rápida de taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE).
Este agravamento do custo do dinheiro da zona euro pode resultar num aperto significativo nos orçamentos de muitas famílias portuguesas endividadas por causa da compra de casa. A Comissão alerta diretamente Portugal neste último ponto.
No âmbito da avaliação macroeconómica e orçamental do semestre europeu (novo ciclo de 2023), divulgado esta semana, Bruxelas repara que “em 2021, o crescimento dos preços deflacionados das casas [descontando o efeito da inflação, portanto o crescimento real, por assim dizer] ultrapassou o limiar de 6% em 14 Estados-Membros: Áustria, República Checa, Dinamarca, Estónia, Alemanha, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Eslovénia e Suécia”.
Além disso, “no segundo trimestre de 2022, os preços das casas ainda estavam a acelerar e a crescer mais de 20% em termos nominais face ao mesmo período do ano anterior na República Checa, Estónia, Lituânia e Hungria”.
“Noutros 12 Estados — Áustria, Bulgária, Croácia, Alemanha, Irlanda, Letónia, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia, Portugal, Eslováquia e Eslovénia — o aumento nominal dos preços situava-se entre 10% e 20%”.
Este inflacionamento dos preços da habitação permite à CE estabelecer um valor de referência, calcular um benchmark, ou seja, um valor para o referido fenómeno da sobrevalorização média que afeta cada um dos mercados nacionais.
Portugal lidera, está no grupo dos mais sobrevalorizados. “Os Estados-Membros com preços das casas sobrevalorizados em mais de 20% são Áustria, Bélgica, República Checa, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Suécia”, afirma Bruxelas.
Em cima disto, a CE avisa que “em Portugal, dois terços das hipotecas têm taxas de juro fixadas apenas até um ano, sendo que as restantes hipotecas têm na sua maioria taxas fixadas por um período entre um e cinco anos”.
Ora, se a maioria (cerca de 66%) dos contratos de crédito à habitação é revisto (atualizado) ao fim de um ano, isso aumenta imenso a referida exposição dos devedores portugueses à subida de taxas do BCE até que a inflação da zona euro (hoje acima dos 10%) regresse aos desejados 2%.
Depois de ter estado em 0% durante mais de seis anos (de 2016 a meados de 2022), o BCE começou o aperto monetário e a taxa de juro diretora de refinanciamento (o custo cobrado aos bancos comerciais da zona euro sempre que vão buscar fundos normais ao BCE) saltou já para 2%. E vai subir muito mais, de certeza, puxando pelas euribor, as principais taxas usadas no cálculo das prestações mensais que particulares e empresas têm de pagar aos bancos.
Além de Portugal, a Comissão avisa mais dois países por causa desta vulnerabilidade. “Em França e Suécia, a dívida das famílias está acima dos níveis prudenciais, o crédito às famílias é elevado e estima-se que a dívida dos particulares seja mais elevada no final de 2022 do que em 2019”.
No caso de França, “a maioria das hipotecas são a taxas fixas”. Na Suécia, “mais de dois terços das hipotecas têm taxas de juro variáveis com um período fixo apenas até um ano, o que expõe mais as famílias aos riscos de aumento das prestações bancárias devido às taxas de juro mais elevadas”, observa o executivo sediado em Bruxelas.
Esmiuçando o caso português
Voltando ao caso português, a Comissão diz que “em Portugal, as preocupações relacionadas com os rácios da dívida das famílias e das empresas não financeiras, do governo e da dívida externa em relação ao produto interno bruto (PIB) mantêm-se, embora estes rácios tenham retomado uma trajetória decrescente após a crise da covid-19”.
No entanto, “o aumento nominal dos preços das casas está a acelerar e surgiram sinais de sobrevalorização” nos preços praticados no momento da venda.
Assim, também se mantêm os “riscos associados aos ciclos de feedback financeiro e do sector público”. Isto é, apesar de o malparado não ser um problema grave (tem estado a descer), se a tendência continuar, a banca pode herdar um novo e grave problema decorrente de um eventual fluxo crescente de incumprimentos.
A referência ao setor público prende-se com o facto de os bancos deterem enormes quantidades de dívida soberana. Se as taxas de juro da República aumentarem de forma significativa, ou se o rating cair, o valor dos ativos detidos pelos bancos (obrigações do tesouro, por exemplo) desvaloriza-se e afetará negativamente o seu balanço. É essa a ideia do conceito de “feedback”.
Resumindo. Neste semestre europeu, a Comissão recorda que na ronda anterior do Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos [onde está contido este problema do crédito e das casas], a Comissão efetuou uma revisão aprofundada e concluiu que Portugal registava desequilíbrios macroeconómicos”.
Tendo em conta que a situação não melhorou (pelo contrário), “este ano, a Comissão considera oportuno examinar a persistência de desequilíbrios ou o seu desenvolvimento numa revisão mais aprofundada, no caso de Portugal”.
“As preocupações com a evolução dos preços das casas estão a aumentar. O crescimento nominal dos preços da habitação acelerou de 8,8% para 9,4% em 2021”, “o seu crescimento homólogo nominal acelerou para 13,2% no segundo trimestre de 2022” e “os preços das casas encontram-se sobrevalorizados em cerca de 23% (2021)”.
E “com mais de dois terços das hipotecas indexadas a taxas de juro até apenas um ano”, reitera Bruxelas.