Governo põe em causa venda de seguros pelos bancos
O programa Construir Portugal, apresentado pelo Governo na passada sexta-feira, reabre a possibilidade de os mediadores de seguros disputarem um mercado de quase 900 milhões de euros – em prémios anuais relacionados com a habitação -, até agora solidamente nas mãos dos bancos.
No ponto 17, o plano governamental refere a possibilidade de “constituir um ou mais contratos de seguro através de um prestador que não seja o da preferência do mutuante” de forma a “promover uma saudável concorrência do mercado”. É o retomar de uma proposta do PSD por altura do Orçamento do Estado de 2024, reforçado na proposta eleitoral da Aliança Democrática (AD) e que o programa do Governo tinha deixado cair. Visava terminar com os privilégios concorrenciais dos bancos ao atribuírem benefícios acrescidos se os clientes de créditos à habitação optarem pelos seguros recomendados por esses bancos.
O presidente da APROSE, associação que junta os mediadores e corretores portugueses, tinha louvado a vontade política do PSD, entretanto chumbada no Parlamento. Segundo David Pereira, “o Partido Socialista, no uso da maioria absoluta, bloqueou uma proposta do PSD em claro benefício e proteção da banca em detrimento das famílias portuguesas, numa medida com um impacto anual positivo de mais de 300 milhões de euros, por ano, até ao fim da vida dos empréstimos”.
Embora legalmente exista liberdade de contratação dos seguros associados aos créditos à habitação, como os seguros de vida risco e os multirriscos habitação, o facto é que quem pede crédito é normalmente aconselhado a seguir a sugestão do banco que o concede a troco de uma redução do spread. Para o PSD, segundo expôs no final do ano passado, da escolha da seguradora “não pode resultar qualquer penalização para o consumidor, não podendo o mutuante exigir o cumprimento de qualquer condição adicional para manutenção das condições do mútuo, nem agravar essas condições, através de taxas, comissões, spread, ou qualquer outra forma”.
Já para o PS, afirmou o deputado Miguel Costa Matos na Congresso da APROSE, o problema está em que os bancos – ao reduzirem o spread aplicado ao empréstimo – não penalizam o devedor, apenas o beneficiam caso adquira outros produtos ou serviços bancários. Em resumo, é uma estratégia comercial própria de um ambiente concorrencial.
Para as seguradoras, vender seguros através dos bancos ou através de outros canais de distribuição – em que os agentes de seguros são a principal força – não faz grande diferença. As comissões por vendas que pagam aos agentes também pagam aos bancos.
Já para os mediadores de seguros, este tema é muito relevante. No caso dos seguros de Vida de puro risco – os que só indemnizam em caso de morte ou invalidez -, a receita de prémios foi 803 milhões de euros em 2023, dos quais 587 milhões (73%) foram vendidos através de bancos. Nos seguros multirriscos habitação, a venda através de bancos é menor, mas ainda assim significativa. Dos 711 milhões de prémios cobrados em 2023, 300 milhões (42%) foram emitidos por solicitação de bancos que atuam como agentes. Embora nem todo o montante esteja relacionado com habitação, no seu conjunto são perto de 900 milhões de euros por ano de seguros que podem vir a ser disputados aos bancos pelos mediadores.
Neste momento já muitos mediadores de seguros estão a apostar em propor aos clientes de crédito à habitação dos bancos mudarem os seus seguros, oferecendo condições melhores e assegurando um rápido retorno dos custos que a mudança poderá implicar. A maior agente de seguros – a April Portugal – apresenta-se mesmo como especializada em seguros de crédito à habitação, conseguiu comissões de 6,58 milhões de euros em comissões e coloca 84% do seus seguros na Axeria Prevoyance, uma seguradora com sede em França.
As maiores seguradoras neste tipo de seguro de vida têm, de facto, uma forte rede bancária como parceira, quase sempre em exclusividade, para além de outras menos relevantes. A Fidelidade tem a Caixa Geral de Depósitos, o Grupo Ageas o Millennium bcp, a Aegon Santander tem o banco com o mesmo nome, a Allianz tem o BPI, a Lusitania tem o Montepio, a CA Vida tem a rede do Crédito Agrícola, a Zurich o Abanca. De entre as maiores, só a Real Vida e a MetLife conseguem bom desempenho comercial sem uma parceria especial com bancos.
A Generali Tranquilidade acabou de entrar no capital do Banco CTT, para conseguir alguma primazia para desenvolver o seu canal de distribuição bancário. O Novobanco, tem a GamaLife como parceira no ramo Vida e a Mudum, do Crédit Agricole Assurances, nos ramos Não Vida.
A materialização desta vontade política não tem prazos definidos, por enquanto.
in Governo põe em causa venda de seguros pelos bancos – ECO (sapo.pt)