Uma boa noticia? Tenho MUITAS dúvidas!
No início deste mês que agora termina, uma página web do governo destacava que o Conselho de Ministros de 2 de setembro tinha aprovado “o decreto-lei que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo para o direito interno as Diretivas 2019/771 e 2019/770”.
Na mesma publicação, afirmava-se, nesse dia, que se tinha dado “um importante passo na proteção dos direitos dos consumidores no que respeita aos bens imóveis, aumentando-se para 10 anos o prazo de garantia em relação a defeitos que afetem elementos construtivos estruturais destes bens”.
Sendo certo que um dos alicerces estratégicos da VICTORIA se materializa na transmissão de valor ao mercado da construção e o imobiliário – por via da especialização na aceitação dos riscos – transferidos pelo dono de obra, o empreiteiro e demais atores do processo construtivo, comecei a pensar no que poderá significar o tal “importante passo”.
Será que o legislador está a equacionar a lógica da proteção do consumidor à francesa, i.e., a pretender uma maior segurança corporal e financeira do utilizador de bens imóveis, pela via das responsabilidades, no âmbito do nosso Código Civil?
Ou, pelo contrário, estará a analisar o pretendido à inglesa, i.e., em correspondência com uma garantia indemnizatória baseada, puramente, na existência dum defeito, sem necessidade de determinar o quê – nem quem – o causou?
Assumindo que o legislador seguirá o raciocínio do celebérrimo artigo 1225 do nosso Código Civil, estará a ponderar a inclusão de todos os tipos de imóveis privados, p.e., hotéis, fábricas, superfícies de distribuição, salas de eventos, naves industriais, centros comerciais… ou, apenas, aqueles imóveis destinados à habitação?
E em termos de responsabilidades, estará somente a pensar nos empreiteiros e subempreiteiros que executam os trabalhos ou, quiçá, a equacionar alargar o “campo de ação” a promotores, gabinetes de geotecnia, projetistas, fornecedores, fiscais de obra, gestores de projeto, vendedores de imóveis em planta… encadeando as respetivas incumbências, no intuito de não deixar o consumidor “órfão”?
Nesse sentido, existirá um sistema de qualificação das empresas do setor (para todas elas e não somente para os empreiteiros)? E no que diz respeito aos prazos das ditas responsabilidades, os dez anos contam-se a partir de que momento?
E esse momento será o mesmo, independentemente do interveniente?
Avaliar-se-á, talvez, um sistema de “dupla etapa”, isto é, a indemnização ou reparação dos danos sofridos pelo consumidor numa primeira fase – independentemente do apuramento das responsabilidades – seguida, num momento posterior, das ações que permitam a determinação dos distintos deveres incumpridos pelos respetivos intervenientes do processo construtivo?
Será que, porventura, o legislador deseja uma transposição dos prazos e garantias exigidos em sede de contratação pública – “em relação a defeitos que afetem elementos construtivos estruturais” – para a domínio privado, incluindo nessa pretensão a exigência de prova do cumprimento das obrigações?
E de que forma está o órgão legislativo a ponderar a materialização da dita proteção dos direitos dos consumidores no que respeita aos bens imóveis? Como até agora, simplesmente alargando de cinco para dez anos o prazo? Ou alterando o modelo de proteção?
Finalmente, os tais defeitos que afetem elementos construtivos estruturais deverão ser compreendidos na ótica da resistência mecânica comprometida ou estimados desde o ângulo da impossibilidade de utilização prevista no projeto? E serão considerados com independência da sua causa e origem, incluindo o vício oculto?
Enfim… a extensão desta coluna de opinião não permite identificar, plenamente, a miríada de questões que assumem relevância com o anúncio do Conselho de Ministros do passado dia 2 de setembro. No entanto, possibilita o tratamento de temas fundamentais, merecedores dum esclarecimento cabal, de forma a que se possa perceber o quê quer dizer, exatamente, proteger “os direitos dos consumidores no que respeita aos bens imóveis, aumentando-se para 10 anos o prazo de garantia em relação a defeitos que afetem elementos construtivos estruturais destes bens”.
Por Diretor-Adjunto, Victoria Seguros) in Público